Desde pequena que tive contacto com a área de desenho, não artístico mas técnico. Enquanto filha de pai topógrafo e desenhador civil, levava horas a olhá-lo a trabalhar no estirador, com régua T, esquadro, lapiseira e canetas Rotring. Num tempo em que não havia AutoCAD, em que cada traço lhe saía realmente dos dedos e um engano obrigava-o a agarrar numa lâmina para o limpar. Nas férias tornava-me sua ajudante. Escrevia requerimentos através de minutas, teclando vigorosamente na máquina de escrever, e marcava os traços nas plantas das alterações feitas em papel-ozalide. Várias cópias saídas da máquina e sublinhadas à mão com marcador conforme necessário: a vermelho as novas linhas, a amarelo as demolições. E assim, sentia-me útil e valorizada, e ainda ganhava algum dinheiro! Então, e porque desenhar era o que eu mais gostava de fazer, foi sempre muito claro para mim que área iria seguir quando chegasse ao ensino secundário. Foi por isso que, em 1990, entrei na Escola Poeta António Aleixo, no curso de Artes e Design.
Num tempo em que a internet e a informática eram ainda ficção científica para mim e para tantos outros, a informação de que eu dispunha não era muita, por isso, na minha cabeça, a profissão a seguir só podia ser arquitectura. Errado. No decorrer das aulas, descobri uma outra área, a do design. Design de mobiliário, equipamento, interiores, moda…. e gráfico. Disciplina relativamente nova que eu desconhecia, mas da qual aprendemos os grandes nomes. Todos homens. As mulheres pareciam existir apenas nos próprios projetos, como musas inspiradoras tanto na arte como no design. Estavam, e ainda estão, na publicidade que chega até nós, porque se diz que são elas que vendem. Vendem aos homens, às crianças e até às outras mulheres. Mostram-nos mulheres que todos queremos ter, ou que gostaríamos de ser… Mulher também era a minha professora de design na altura, Rosa Barracha. Lembro-me da história que nos contou de como ingressou em design na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e da forma como me senti inspirada por ela. Mulher forte, determinada e excelente profissional. Então, houve aquele momento, aquele segundo em que se deu aquele clique, do qual ainda tenho memória e no qual decidi: vou seguir design.
Se é bem verdade que foi nos anos 90 que se deu o grande boom no design gráfico em Portugal, também é verdade que os grandes nomes continuavam a ser no masculino. O porquê? Talvez porque éramos ainda uma democracia jovem, não muito longe de um tempo onde à mulher estava reservado o papel de mãe e esposa, até porque, na verdade, as minhas turmas eram compostas muito mais por raparigas do que por rapazes, tanto no secundário como na universidade. Portanto, havia mulheres designers, não seria uma profissão exclusiva aos homens!
Ingressei então na Escola Superior de Artes e Design – ESAD (Matosinhos), num tempo também muito especial. Num tempo onde ainda usávamos estirador, caixas de luz, escantilhões, manuais de tipos de letra que fotocopiávamos e recortávamos, cola, fita-cola, lápis, canetas, aguarelas…. Um tempo no qual eu ainda não supunha que o meu futuro passaria mais pelo computador do que pelo papel, embora este último não deva nunca morrer. É nele que esboçamos os nossos projetos e que os sentimos em primeiro lugar. Aos poucos, um tempo foi dando lugar a outro. Os computadores pessoais tornaram-se mais acessíveis e foram entrando com maior facilidade em nossas casas, nas nossas escolas, mas considero muito importante aquele tempo em que não existiam. Aquele em que tínhamos de ser criativos até na forma como transpúnhamos a nossa ideia para o suporte final. Um tempo em que fazer e desfazer levava tempo, nos dava muitas dores de cabeça mas também muito prazer no resultado final, porque era mais um desafio ultrapassado. Onde ainda assim, a experimentação era tudo e o “dar trabalho” não existia. Onde arregaçar as mangas era natural. Tudo fazia parte e assim cresci.
Ser mulher nunca foi, para mim, um entrave. O meu trabalho sempre foi valorizado por si só, e, ser mulher só me ajudou a ser mais produtiva, afinal de contas, quem é que consegue fazer 3 coisas ao mesmo tempo?! Não somos nós, mulheres? Não somos nós que tanto gostamos de pensar, que reparamos em todos os detalhes, que antecipamos problemas de modo a evitá-los? Não somos nós as que sempre temos tempo? Basta acreditarmos nas nossas capacidades e querermos ser melhores que nós próprias todos os dias. Confesso, contudo, que me sinto uma privilegiada, porque o meu primeiro emprego, a agência que tanto me ensinou, era composta por três sócios-gerentes. Três homens que sempre me deram as mesmas oportunidades que aos meus colegas homens, que nunca deixaram de contratar por esse alguém ser mulher e que tão bem souberam respeitar-me na maternidade.
Hoje em dia, tenho outra grande mulher a meu lado, “a minha” Patrícia Cardoso. Somos uma equipa no feminino, que usa a cabeça para pensar mas que faz as escolhas com a ajuda do coração. Porque é assim que somos, dedicadas na vida e no trabalho, e porque só assim nos faz sentido. Acredito que, sermos mulheres, é uma das grandes forças da Amarca.
Vocês mulheres que estão aí do outro lado, que força acreditam ter pelo facto de serem mulheres? Aos homens, faço questão de outra forma, que força mais admiram nas mulheres que vos inspiraram ou inspiram?